Episodios

  • Exposição “Amazônias”: povos indígenas e museu francês de Lyon constroem novo olhar sobre a floresta
    Aug 15 2025

    A exposição "Amazonies" (Amazônias) no Museu das Confluências, em Lyon, sudeste da França, é uma iniciativa que busca apresentar uma visão multifacetada e contemporânea da Amazônia e de seus povos. A curadora Marie-Paule Imberti realizou um ciclo de viagens para a produção da mostra, em cartaz até 8 de fevereiro de 2026.

    Patrícia Moribe, enviada especial da RFI a Lyon

    Responsável pelas coleções das Américas e do círculo polar da instituição, Imberti explica que a exposição é fruto de pesquisas iniciadas em 2018 para a constituição de uma coleção material e imaterial, em parceria com populações indígenas. A ideia central era formar essa coleção e "trabalhar e tecer laços com os parceiros", afirma.

    A mostra tem como um de seus principais objetivos apresentar o trabalho feito junto a quatro povos indígenas do Brasil: os Mebêngôkre (Kayapó), os Ashaninka, os Wayana e os Aparai.

    Imberti enfatiza a importância de "mudar os estereótipos e mostrar que essas culturas são dinâmicas, vivas, que têm coisas a reivindicar, a nos dizer". Essa intenção de desmistificar e humanizar a Amazônia é um ponto crucial, como destaca Shatsi Piyako, representante Ashaninka, que inicialmente temia que o projeto se tornasse "um cemitério" de seu povo, mas se sentiu "tranquilizada" ao perceber "um outro olhar, vivo" no museu.

    Ao conceber a exposição, Marie-Paule Imberti e sua equipe pensaram em um público amplo, incluindo crianças. A mostra é "realmente destinada a um público familiar", e os visitantes podem mergulhar em um "universo sonoro" da natureza e dos animais.

    Constituição da coleção e missões de campo

    Segundo Imberti, "a maioria das peças é proveniente da coleção que constituímos no terreno com eles". Os objetos foram adquiridos diretamente junto às populações e os vídeos e fotografias foram realizados durante as missões de campo. No total, cerca de 500 objetos foram adquiridos e trazidos para a França, dos quais 220 estão expostos. Algumas peças de coleções arqueológicas foram obtidas por meio de empréstimos.

    As missões de campo foram realizadas por Marie-Paule Imberti em parceria com Serge Guirot, presidente da associação Jabirou Prod, videomaker e fotógrafo com vasta experiência na região. As viagens aconteceram ao longo de três anos, com cada missão durando entre três semanas e um mês.

    A equipe visitou, em 2018, os Mebêngôkre (Kayapó); em 2019, os Ashaninka, na região próxima à fronteira com o Peru; e, em 2022, os Wayana e os Aparai, no extremo norte, próximos à fronteira com a Guiana Francesa, após uma pausa provocada pela pandemia de Covid-19.

    Marie-Paule Imberti ressalta que as missões no Brasil foram realizadas "com o acordo e a colaboração dos habitantes das diferentes aldeias e da FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas)".

    Apesar de ser destinada a um público amplo, a exposição consegue mostrar as caracteristidas dos três povos distintos, explicando origens, tradições, e reivindicações. A programação, iniciada em abril, contou com a presença de representantes da comunidade Ashaninka, discussões sobre ecologia, concerto de carimbó, show de boi bumbá e prevê ainda concertos para o mês de novembro.

    "Amazônias", no museu Confluences, faz parte da Temporada França Brasil 2025.

    Más Menos
    5 m
  • 'Alumbre na Macaia': em Arles, Ian Cheibub convida para viagem imersiva pela magia afro-brasileira
    Aug 1 2025
    Em Arles, no sul da França, o casarão da Fundação Manuel Rivera Ortiz adotou como tema a magia em todos os seus sentidos. Bruxas e espíritos fazem parte de “Sortilégios”, em cartaz até 5 de outubro, como parte dos Encontros de Arles, um das maiores mostras internacionais de fotografia. No porão, o fotógrafo Ian Cheibub apresenta “Alumbre na Macaia”, com curadoria de Glaucia Nogueira, da associação Iandé. Patrícia Moribe, enviada especial a Arles Há um ano, Ian Cheibub, fotojornalista colaborador de grandes publicações internacionais, veio a Arles mostrar seu portifólio com um projeto pessoal, calcado na vivência no terreiro de umbanda da avó, em Niterói (RJ). Em julho de 2025, depois de um mês de residência artística na fundação, o artista abriu a instalação imersiva, com imagens impressas em painéis de rendões, tambores e encruzilhada. Cheibub explica que o nome da exposição traz um duplo sentido. “Alumbrar dá a ideia de você ficar encantado com alguma coisa, mas ao mesmo tempo de você iluminar. E macaia também tem dois sentidos. Um espiritual, que é o lugar das ervas sagradas, mas também é qualquer mata e é onde o caboclo mora. Minha avó [mãe de santo] ia pegar a erva na macaia ao lado da casa dela.” Ian Cheibub se diz interessado na ideia da “não divisão, de a gente estar dentro de uma coisa a ponto de não se saber mais que o que é o quê”. Ele explica também que o projeto vem de um descontentamento com a representação exótica dos ritos afro-brasileiros. O conceito central da pesquisa de Ian é a "materialidade mágica", onde a magia e o material se misturam, tornando-se indistinguíveis. Ele vê essa fusão como um instrumento contra-colonialista, uma forma de defesa e subversão". Banhos de santo Depois de se estabelecer muito cedo no fotojornalismo, Ian começou a refletir a respeito de uma linguagem artística sobre suas raízes. Ele lembrou de banhos de santo que a avó preparava quando ele era criança. Ele passou, então, a fotografar os rituais com película e depois mergulhar os rolos em banhos de santo, tendo como resultado imagens oníricas, com cores saturadas, que se expandem. Nelas, as pessoas em transe se vestem de luzes mágicas, em movimentos fantasmagóricos. Ian Cheibub nos leva a uma visita guiada, que começa já nas escadas que descem ao subsolo da fundação, decoradas com folhas da Guiné nas quais ele imprimiu retratos de pessoas incorporadas usando a técnica da fitotipia. “Você coloca um negativo em cima da folha e bota no sol”, explica. “Ela se chama Guiné por causa das utilizações pelos escravizados que vieram da costa da Guiné, mas na verdade é uma planta 100% brasileira.” No subsolo, um corredor é decorado com cortinas de rendões, com imagens impressas dos rituais. Ele lembra que os rendões foram trazidos pelas mulheres portuguesas para o Brasil, mas quando o tecido chega no terreiro, seu uso é subvertido. Atravessando o corredor de rendões, o visitante passa por tambores que emitem vibrações em laser contra a parede, com acordes suspensos que se misturam às colagens sonoras dos rituais. Encruzilhada No último espaço, o artista criou uma encruzilhada com imagens transferidas a painéis de um tecido muito fino, que vibra com o ar. “A gente pode fazer as coisas se mexerem sem necessariamente tocá-las. Os deuses estão sempre dançando e, dessa forma, as imagens também dançam à medida em que a gente anda pela sala”, explica. No fundo da sala, por um buraco, podemos ver a imagem da avó de Ian impressa numa folha de Guiné. Por causa da umidade do local, a imagem interage com os fungos e vai se modificando. A curadora Gláucia Nogueira, da associação Iandé, de apoio à fotografia brasileira na Europa, ressalta que o trabalho de Ian Cheibub "toca, não só pela força visual, mas pelo sentido de pertencimento e pela história familiar de terreiro que ele traz". A exposição na "cave" da fundação, com sua textura e "fantasmas", foi escolhida para materializar o invisível e oferecer uma imersão na "diáspora africana" do Brasil, explica. A Iandé organizou ainda um encontro entre Ian Cheibub e a artista visual e curadora Denise Camargo. “’Alumbre na Macaia’ é um trabalho super necessário, especialmente se a gente considerar toda a questão do racismo estrutural, da intolerância religiosa, o preconceito contra as religiões de origem afro-brasileira”, diz Camargo. “Esse trabalho expressa justamente a possibilidade de romper com essas visões errôneas sobre as matrizes ancestrais de origem afro-brasileira, com valor inestimável para a conquista desses espaços de tolerância”, acrescenta. "Alumbre na Macaia" pode ser visitada em Arles até 5 de outubro de 2025.
    Más Menos
    7 m
  • Da rapadura a Arles: dois retratistas mineiros mostram 50 anos do cotidiano de uma comunidade de BH
    Jul 25 2025
    Vitrine privilegiada do mundo da fotografia mundial, os Encontros de Arles recebem neste ano, no contexto da Temporada França-Brasil 2025, a mostra "Retratistas do Morro”, com os trabalhos de João Mendes e Afonso Pimenta, que há 50 anos documentam a vida dos moradores da comunidade da Serra, em Belo Horizonte. Patrícia Moribe, enviada especial da RFI a Arles O projeto "Retratistas do Morro", idealizado e coordenado pelo artista visual, pesquisador e curador independente Guilherme Cunha, surge no final de 2014. Tudo começou com a produção de um livro, "Memórias da Vila", que visava preservar a memória da comunidade da Serra, coletando entrevistas e conectando as vivências dos habitantes à história oficial de Belo Horizonte. Um momento fundamental, conta Cunha, foi o encontro com dona Ana Martins de Oliveira, a "madrinha maior" do projeto. A mulher, que foi "escravizada na infância, retirante, lavadeira e analfabeta", possuía uma "consciência patrimonial que superou todas as políticas de preservação brasileira", conta o pesquisador. Ela guardava um conjunto de monóculos, com imagens de sua própria família, que chamava de "tesouros". Ao ser questionada sobre por que eram seus “tesouros”, dona Ana explicou: "É a única forma que o meu neto vai conhecer o avô dele". Guilherme Cunha viu essa percepção de que as imagens são presença e existência, uma forma atemporal de conectar experiências familiares, como uma transferência de conhecimento" e uma "bênção" para a equipe do projeto. O pesquisador destaca que o projeto opera em duas vertentes cruciais: a técnica de preservação, que envolve a digitalização e restauração de negativos em deterioração (muitos dos quais em risco de desaparecimento); e a produção de pensamento crítico. “Buscamos compreender o que essas imagens dizem, desenvolvendo ferramentas cognitivas e teóricas enraizadas no contexto cultural brasileiro, em vez de aplicar filosofias desconectadas que poderiam distorcer a realidade”, diz. A importância de trazer essas imagens ao público, conforme Guilherme, reside em ir na contramão dos processos coloniais, que são epistemicidas e expropriadores, apagando identidades e distorcendo realidades. O projeto propõe o conceito de "pictosceno", pensando em ideias favoráveis aos ciclos virtuosos da imagem, que promovem o avanço civilizatório, a prosperidade, a dignidade e a garantia de direitos. De vendedor ambulante a cronista da cidade João Mendes, nascido em Iapu, Minas Gerais, trabalhou na roça até os 11 anos, fez rapadura e, aos 14, vendia picolés quando foi convidado a trabalhar em uma loja de fotografia. Apesar de ganhar menos, a opção foi um divisor de águas em sua vida. Após dois anos, ele começou a fotografar para a delegacia local, fazendo perícias criminais. Depois, Mendes fotografou toda a cidade de Ipatinga, sob encomenda do prefeito da época, documentando as ruas e bairros antes de serem asfaltados. Aos 16 anos, em 1966, mudou-se para Belo Horizonte. Em 1973, João Mendes abriu seu próprio estúdio, a Foto Mendes, onde permanece até hoje. Ele relata ter enfrentado fases difíceis como comerciante, mas persistiu em seu trabalho. Um momento importante para o resgate de seu negócio foi quando uma escola estadual o contratou para fotografar a formatura de 105 alunos. João Mendes revela que Guilherme Cunha chegou à sua loja em 2016, perguntando sobre as memórias da Serra. O fotógrafo tinha guardado muitos negativos, apesar de ter descartado outros tantos e alguns terem sido danificados por vazamentos. Guilherme conseguiu resgatar 8.700 negativos em preto e branco inicialmente, além de outros coloridos de batizados, casamentos e formaturas. A jornada de exposições de João Mendes e Afonso Pimenta, graças ao projeto, começou no Sesc de São João do Rio Preto, no interior de São Paulo, seguindo para a capital, Guarulhos, Araraquara, São Paulo, Lille, na França e agora Arles. Dos becos da favela à praça do mundo Afonso Pimenta chegou a Belo Horizonte com apenas 9 anos em 1963, vindo do interior de Minas Gerais. Seus primeiros ofícios incluíam catar esterco e capinar calçamentos. A fotografia surgiu em sua vida de forma inesperada, quando um colega do curso noturno lhe apresentou uma câmera Kodak, prometendo que fotógrafos ficavam “ricos, com vida luxuosa e mulheres”. O destino o levou a morar ao lado da casa de Mendes, que já era um fotógrafo conhecido na comunidade. A mãe de João, ciente das "badernas" de Afonso na rua, pediu o filho que o aceitasse como ajudante em seu ateliê. Afonso, que pensava que já era fotógrafo por ter uma máquina, logo percebeu que "não sabia nada" e que João "não tinha muita boa vontade para ensinar", conta rindo. Apesar das dificuldades, Afonso persistiu e, ao contrário de dezenas de parentes que passaram pelo ateliê de João, foi o único que continuou exercendo a fotografia. Afonso também explorou outras...
    Más Menos
    5 m
  • Antonio Sergio Moreira quer ‘ocupar espaços’ em exposição sobre ‘afro-ressonâncias’ na França
    Jul 18 2025
    O artista Antonio Sergio Moreira inaugura neste sábado (19) a exposição "Afro Résonances dans l’Art Contemporain", na Galeria Ricardo Fernandes, localizada em Saint-Ouen, na periferia de Paris. A mostra é resultado de uma residência artística de mais de um mês no espaço La Patinoire, também na cidade. Natural de Belo Horizonte, Moreira dedica-se há cerca de 40 anos à pesquisa das heranças culturais africanas e afro-ameríndias. O artista mineiro se define como um “antropófago urbano de culturas e experiências”. Por meio de sua arte contemporânea, ele busca abrir espaço para temas afro e para a valorização de artistas negros no cenário internacional. Depois de participar da "Expo Favela Innovation Paris" com a criação de painéis que decoraram a fachada do Théâtre de la Concorde no início de julho, Moreira apresentará na Galeria Ricardo Fernandes esculturas trazidas de seu ateliê no Brasil, além de 17 obras inéditas criadas especialmente para esta nova exposição. A mostra será aberta ao público a partir de 19 de julho, em uma parceria com a prefeitura de Saint-Ouen, como parte da programação da temporada cultural cruzada Brasil-França. Moreira contou à RFI que a temática da exposição já está na sua essência há muitas décadas: “O projeto veio dessa proposta de afro-ressonâncias diaspóricas, esse sentido diaspórico que é onde eu transito. Eu transito nesse Atlântico negro. Lá atrás, quando eu volto de São Paulo, onde eu trabalhava, e decido voltar para Belo Horizonte, foi quando eu comecei também a fazer curadorias do Festival de Arte Negra de Belo Horizonte”, diz. “Negro não tinha espaço nas galerias quando eu cheguei em 1986, não tinha artistas negros expondo nas galerias. A partir disso, eu me olhei e falei assim: de onde que eu sou? Para onde que eu vou? Quem eu sou?”, revela o artista, indicando que foi nesse momento de sua carreira que decidiu pesquisar suas heranças africanas e afro-ameríndias e também passou a frequentar terreiros “com olhar de artista”. “Nesse processo, eu trago aquilo que eu vejo e vivencio. Então, hoje eu trago para essas obras que estão aqui fragmentos de ancestralidade do povo de terreiro. Eu consigo manter separado o segredo do sagrado, e tudo é arte contemporânea”, declara Antonio Sergio Moreira. Residência e exposição na periferia de Paris Desde o início de 2025, o projeto vem ganhando forma graças aos esforços do galerista brasileiro Ricardo Fernandes, radicado na França, que articulou a parceria com a prefeitura de Saint-Ouen após o artista mineiro ser selecionado em um edital de intercâmbio de residência artística, promovido pela Secretaria de Turismo e Cultura de Minas Gerais por meio do PNAB – programa federal de fomento à cultura. Após um período intenso de residência e criação das obras, com o desenvolvimento de oficinas nas quais usou sacos de cimento para transmitir seus conhecimentos de arte à população de Saint-Ouen, desde junho Moreira vem refletindo sobre seu processo artístico. Esse processo, no entanto, também faz parte de um conjunto de vivências urbanas integradas à sociedade contemporânea. “Trazer a minha pintura para uma cidade que tem uma história de pintura, como os franceses possuem, não é pretensão. Eu sou o processo antropofágico disso tudo. As pessoas vêm para o Louvre, mas não podem comprar o Louvre. Então, elas vêm para o mercado de pulgas de Saint-Ouen e podem comprar uma 'parte do Louvre'; podem comprar também a arte contemporânea que está transitando nessa via. Acho que isso é importante. Eu não estou aqui para dizer que sou melhor que Gauguin ou Monet. Na minha arte, tem todo o mundo, e eu estou preocupado em ocupar o meu espaço”, declara o pintor brasileiro. Ricardo Fernandes, diretor da galeria onde a exposição permanece em cartaz até 15 de setembro, falou da importância do apoio do prefeito de Saint-Ouen, Karim Bouamrane, um admirador declarado do Brasil e de personalidades brasileiras. “O prefeito é um cara muito interessado no Brasil. E o Brasil tem, na cabeça dele, no universo dele, um lugar na cidade de Saint-Ouen. Ele busca essas parcerias importantes com o Brasil. É uma cidade muito diversa também, que nos acolhe muito bem”, afirma Fernandes. Arte brasileira é ampla Moreira também pede maior valorização de artistas de fora do eixo Rio-São Paulo, já que, segundo ele, pode ser uma forma de impor uma ideia de nação justa e ampla no campo da arte. “O Rio de Janeiro não é o centro do universo, nem São Paulo. O país é grande. Nós temos uma medida continental. Nós existimos, nós fazemos parte. Eu acho que, quando nós aceitarmos [a arte] do nordestino, do povo da Amazônia, do povo do Sul, aí sim, a gente tem uma ideia de nação. Então, eu acho que esse é o meu lugar de fala”, defende o artista. Além das pinturas exclusivas apresentadas na mostra,...
    Más Menos
    6 m
  • Da ancestralidade à identidade: espetáculos brasileiros ocupam o OFF do Festival de Avignon
    Jul 11 2025
    O Brasil é o país "convidado de honra" do OFF, a mostra paralela do Festival de Avignon em 2025, o maior evento de artes cênicas do mundo. Para trazer os 13 espetáculos brasileiros para a França, uma ampla estrutura vinha sendo construída no último ano, uma parceria da Funarte, a Fundação Nacional das Artes do Brasil, a MitSP, Mostra Internacional de Teatro de São Paulo e a associação francesa Avignon Festival & Compagnies (AF&C). Márcia Bechara, enviada especial a Avignon A presidente da Funarte, Maria Marighella, está em Avignon, no sul da França, e comentou à RFI a participação brasileira. Segundo ela, a presença do país não se limita à exibição de obras cênicas. A proposta curatorial aposta numa ocupação conceitual, em torno de ideias, discursos e saberes que atravessam a criação artística contemporânea. “Tomamos a decisão de estarmos presentes não apenas com espetáculos — isso já está sendo feito com muita força pela plataforma Brasil — mas também com outras fabulações, com uma mirada conceitual”, explicou Marighella. Nesse sentido, o espaço Village du OFF, dedicado à homenagem ao Brasil, tornou-se palco em Avignon de falas e apresentações que compõem o repertório artístico e intelectual do país. Um dos momentos marcantes foi a fala de abertura da artista, pesquisadora e referência do pensamento teatral brasileiro Leda Maria Martins, ao lado do diretor Márcio Abreu. A cerimônia sintetizou o espírito da ocupação brasileira: não apenas mostrar obras, mas apresentar uma visão crítica e poética da cultura nacional, sua singularidade, sua contribuição ao mundo. “O que o Brasil está formulando hoje em termos de identidade, pensamento e criação é fundamental para a troca cultural internacional”, afirmou Maria Marighella. Solidariedade A atmosfera entre as companhias brasileiras presentes também tem sido marcada por solidariedade e apoio mútuo, segundo o ator, diretor e produtor Antônio Interlandi, que faz parte da programação brasileira do OFF de Avignon com o espetáculo La Roue de La vie, a Roda da Vida. “A gente tem se encontrado nas ruas, um tenta ajudar o outro, dar dicas... o ambiente está bem legal”, contou. Para além da programação artística, a direção do OFF abriu um espaço estratégico para promoção dos espetáculos no Village, com atividades paralelas e encontros com programadores internacionais. “Há uma data nesta semana em que podemos conversar diretamente com esses compradores e apresentar nossos projetos. Isso mostra que há uma preocupação também com o pós-festival, com a possibilidade de continuidade”, destacou Interlandi. Tradição indígena O diretor Duda Rios, da peça Azira’í, um musical de memórias, com a atriz indígena Zahy Tentehar, falou sobre a recepção da obra pelo público francês. “As pessoas têm aplaudido muito e se comovido. Escrevemos essa peça inicialmente para um público brasileiro, e não imaginávamos essa dimensão internacional. Mas vemos que ela chega com a mesma potência — claro, em outras camadas, mas chega. As pessoas riem menos do que no Brasil, mas se emocionam e se conectam com a força de Zahy”, relatou. A montagem é legendada em francês e inglês, mas alguns trechos — especialmente os momentos no idioma Ze’eng eté — são propositalmente mantidos sem tradução, preservando sua densidade simbólica e espiritual. Leia tambémCia brasileira traz materialidade radical do teatro em diálogo com a pornografia para Avignon Janaína Leite, que traz ao festival A História do Olho — um dos espetáculos mais provocadores e iconoclastas da cena brasileira recente — também comentou a experiência: “A gente chegou, fez uma primeira apresentação maravilhosa, uma segunda mais difícil. Acho que estamos aprendendo a lidar com esse novo olhar. Venho de uma cena em São Paulo muito habituada à minha pesquisa, que tem 15 anos. Aqui, talvez o olhar seja mais curioso, mais reticente, mas não devemos tomar isso como oposição. Estamos animados em estar aqui dentro de um festival tão grande. Somos 23 pessoas, 16 em cena. Está sendo um grande acontecimento cruzar o oceano para apresentar esse trabalho. Ainda faltam seis apresentações, então estamos curiosos para ver como tudo vai se encaminhar.” A mostra paralela do festival, que este ano homenageia o Brasil, segue em cartaz em Avignon até o dia 26 de julho.
    Más Menos
    6 m
  • ‘Marulho’: obra monumental de Cildo Meireles é exposta na abadia do Mont-Saint-Michel, na França
    Jun 27 2025

    A abadia do Mont-Saint-Michel, na Normandia, no noroeste da França, acolhe até 16 de novembro a obra "Marulho", do artista brasileiro Cildo Meireles. A exibição integra a programação da temporada França-Brasil 2025.

    Daniella Franco, enviada especial da RFI ao Mont-Saint-Michel

    A instalação imersiva, que pertence à coleção do Centro Nacional de Artes Plásticas da França, foi criada em 1991 e simula uma paisagem marítima por meio de cinco mil fotografias dispostas no chão. Erguida no refeitório dos monges, a obra também é composta por um deck de madeira que convida o público a flutuar sobre esse oceano de papel, ao som de uma trilha sonora em que a palavra "água" é pronunciada em 30 línguas.

    Mais de 30 anos após a sua concepção, "Marulho" continua extremamente atual, considerada uma obra política e poética, segundo o curador da temporada França-Brasil 2025, Emilio Kalil, presente na inauguração do evento. "Cildo nunca esqueceu do entorno dele, dos problemas não só brasileiros como mundiais. Então a gente vê nessa obra uma reflexão sobre o mar, que hoje é tema principal dos grandes debates internacionais, mas também o problema dos imigrantes, nossos vizinhos que de repente são rejeitados. As vozes fazem nos sentir dentro desse marulho", diz.

    O imponente trabalho deste, que é um dos maiores nomes da arte contemporânea do Brasil, foi instalado no interior da abadia do Mont-Saint-Michel, um dos monumentos mais visitados da França e Patrimônio Mundial da Unesco.

    Para a presidente do Centro dos Monumentos Nacionais da França, Marie Lavandier a exposição é um encontro de gigantes.

    "'Marulho' foi instalada no refeitório da abadia do Mont-Saint-Michel, um espaço majestoso. À medida que avançamos no deck em meio a esse oceano de fotografias de Cildo, nosso olhar vai encontrar as janelas do refeitório que se revelam uma após a outra. Então, essa é também a descoberta de uma obra de arte contemporânea e a redescoberta desta joia da arquitetura", explica.

    Obra chegou de helicóptero

    Oferecer esse belo espetáculo aos visitantes foi um grande desafio aos organizadores. As peças de madeira que compõem o deck tiveram que ser transportadas por um helicóptero até o topo da abadia, localizada em um rochedo rodeado pelo mar, a 80 metros acima do nível do oceano. Além disso, para posicionar todas as fotografias que representam as ondas, várias pessoas estiveram mobilizadas durante uma semana.

    Mas segundo a diretora do Centro Nacional das Artes Plásticas da França, Béatrice Salmon, a operação para a montagem de "Marulho", foi um esforço necessário, em nome das reflexões sobre o mar. "Acho que é preciso subir nesse deck, caminhar em meio às ondas, pensar que o Mont-Saint-Michel é rodeado pelo mar e imaginar que subitamente a água entrou na abadia para pensar sobre a importância dos oceanos ao nosso planeta".

    Salmon observa que o Mont-Saint-Michel está diante da Inglaterra, próximo ao Canal da Mancha, onde há anos migrantes arriscam suas vidas. "Esse mar também é um perigo para muitas pessoas, quando elas tentam atravessá-lo de um país a outro em condições dramáticas. São todas essas reflexões que essa obra permite", ressalta.

    "Marulho" não é o único trabalho de Cildo Meireles exposto na temporada França-Brasil 2025. Outra obra icônica do artista, "Cruzeiro do Sul", será exibida no espaço Orangerie, no Jardim de Luxemburgo, em Paris, de 3 a 14 de julho.

    Más Menos
    10 m
  • “Alma de imigrante, mas coração carioca”: artista Anna Maria Maiolino expõe no Museu Picasso em Paris
    Jun 20 2025
    Organizada dentro da temporada cultural do Brasil na França, o Museu Picasso, em Paris recebe a exposição "Anna Maria Maiolino: Je suis là - Estou Aqui”, a primeira mostra individual na França da artista brasileira de origem italiana. Após cursar Belas Artes em Caracas, na Venezuela, foi no Rio de Janeiro, nos anos 1960, que ela desenvolveu plenamente a sua expressão artística. A influência dos trópicos é uma das marcas de seu trabalho, em que explora o sentimento de pertencimento e de imigração. Maria Paula Carvalho, de Paris A mostra é uma coletânea das principais obras da artista nascida na Calábria, em 1942, que cresceu na Venezuela, antes de se instalar no Brasil. Ao longo de 65 anos de carreira, Anna Maria Maiolino explora múltiplas linguagens artísticas, como disse em entrevista à RFI Fernanda Brenner, que divide a curadoria da exposição com o francês Sébastien Delot. “A ideia é fazer uma amostragem da complexidade e da coerência do trabalho dela", explica a curadora. "Esta exposição não é cronológica, não é montada em eixos temáticos de acordo com as décadas ou as mídias que ela trabalha, mas busca apresentar para o público como a Anna tem um vocabulário muito coeso, muito coerente e, ao mesmo tempo, absolutamente experimental em todas as mídias que ela resolve trabalhar", diz. "Pode ser esculturas em argila, desenhos, pinturas, vídeo, fotografia, performances. Ela transitou por todas as mídias possíveis em arte contemporânea, mas sempre com um vocabulário muito específico e muito ligado com a própria origem dela, como corpo feminino migrante", continua. "Ela que saiu da Itália no pós-guerra, quando o país vivia uma situação de precariedade, de fome. Chegou primeiro na Venezuela, ao fim da infância, e depois no Brasil, aos 20 anos, [onde] encontra a cena brasileira e se faz artista a partir desse encontro com o Brasil”, pontua. Parte de sua formação Anna Maria Maiolino cursou na escola Nacional de Belas Artes Cristóbal-Rojas, em Caracas. Em 1960, ela se mudou com os pais para o Rio de Janeiro, onde continuou sua formação artística, estudando pintura com Henrique Cavalleiro e xilogravura com Adir Botelho. Em paralelo, ela frequentou o curso de estética de Ivan Serpa, no Museu de Arte Moderna. A artista diz que não trabalha com a intuição, mas pensa e repensa cada passo de sua criação. Em entrevista à RFI, Anna Maria explicou o título da mostra parisiense: 'Estou aqui'. “Você busca um discurso próprio, diferente, mas isso é uma grande mentira, porque você vem do passado, com todas as culturas do passado. Isso é uma coisa muito forte para mim, porque eu era imigrante no Brasil", lembra. "Ao chegar no Rio de Janeiro, que é uma cidade incrível, eu percebi a liberdade que a arte brasileira tinha", completa. Em 1968, Maiolino obteve a cidadania brasileira. Durante a ditadura, ela e o marido, Rubens Gerchman, se mudaram para Nova York, onde ela realizou parte das obras expostas em Paris. Nos Estados Unidos, a dificuldade por não falar inglês também acabou virando objeto de pesquisa, especialmente em desenhos e poemas. "Eu estive em vários países, em vários lugares. E sempre quando você muda de fronteira, o que existe é a sua presença no lugar. Então, para mim, este título significa que, mais uma vez, eu estou atravessando a fronteira, eu estou na França, estou em Paris, no Museu Picasso, que para mim é mais um território, pois sou uma andarilha, com alma de imigrante", define. Coração brasileiro A artista retornou ao Brasil em 1972, se instalando primeiro no Rio de Janeiro, antes de se mudar para São Paulo, após o divórcio. Suas obras são inspiradas em diferentes línguas, culturas e contextos políticos em que viveu. "Voltar a Paris é voltar para aquilo que eu sou. Eu nasci na Itália, sou uma europeia do Mediterrâneo, mas pertenço a várias camadas dos países onde vivi", afirma. "Meu coração é brasileiro, é carioca. São Paulo não tem linha do horizonte, então me sinto prisioneira em São Paulo", diz. Leão de Ouro em Veneza Em 2024, a artista foi recompensada com o Leão de Ouro na Bienal de Veneza pelo conjunto de sua carreira. Na ocasião, Anna Maria Maiolino dedicou o prêmio à arte brasileira e ao país que a acolheu. "Uma das coisas básicas da minha obra é a memória. A memória física e emocional", diz. "É óbvio que a minha chegada ao Brasil me ajudou a encontrar um discurso particular meu", continua. "Porque o brasileiro começa a sua arte com o Barroco, que é modernidade, não tem uma arte do passado. Tem a arte dos negros africanos, tem a arte dos índios e grande parte da arte brasileira carrega em si um ritual", observa. No Museu Picasso, no bairro do Marais, a exposição de Anna Maria Maiolino dialoga com a obra do artista espanhol. Ela mesma traça semelhanças com ele. “Qual é a minha relação com o Picasso? Mesmo sendo de épocas diferentes, ele ...
    Más Menos
    7 m
  • Ernesto Neto ocupa Grand Palais de Paris com ressonâncias da floresta e da ancestralidade
    Jun 6 2025
    Ernesto Neto é um artista irrequieto, que liga uma ideia a outra, uma criação a outra. As honras são dele de ocupar até final de julho a imensa nave do Grand Palais, um dos principais endereços culturais de Paris, com “Nosso Barco Tambor Terra”. A inauguração nesta sexta-feira (6) conta com a presença dos presidentes Lula e Emmanuel Macron. Patrícia Moribe, em ParisDepois de instalações monumentais em locais emblemáticos da capital parisiense, como o Panteão e a loja de departamentos Le Bon Marché, o carioca Ernesto Neto criou uma enorme obra interativa no Grand Palais, com cores, cheiros e som.Teias de crochê feitas de tecidos coloridos se agarram ao domo do local, formando uma espécie de cúpula, como copas de árvores. Os frutos exalam especiarias como canela, cravo e pimenta-do-reino. O artista convida os visitantes a tirar os sapatos e adentrar na instalação, pisando em lascas de cascas de árvores, descobrindo tambores de várias origens espalhados e prontos para serem manuseados.O artista conta que a ideia começou a brotar em 2018, quando visitou Lisboa pela primeira vez. “Eu estava andando pelo Tejo, feliz da vida, com a minha esposa e uma amiga. A gente vendo aquele rio lindo, enorme, um céu azul maravilhoso, de repente eu me dei conta que o fim do rio estava ali adiante e que lá começava o Atlântico”, relata Neto.“E aí veio toda a nossa história, toda a colonização, toda aquela invasão, a problemática indígena, da matança, a problemática da escravidão africana que chegou no Brasil”, explica. “Há também a consciência da nossa história, que é uma coisa que eu venho falando há muito tempo, que somos filhos de mães indígenas - filhos e filhas de mães indígenas. A ideia de Brasil nasce quando nasce a primeira criança, filha de europeu no Brasil e mãe indígena. E depois são os filhos de mães africanas que chegaram para serem escravizadas. Então é uma história bem complexa que a gente tem”.Quando o convite para a exposição chegou há cinco anos, a ideia já estava pronta. “Eu sabia que tinha que ser alguma coisa ligada ao barco, ao planeta Terra e ao tambor e à floresta, porque a floresta é a vida, a floresta é a multinatureza, é a força vital. É ela que limpa o universo, produz essa infinidade de seres vivos, essa pluralidade de encontros e desencontros, mas de também um encantamento, um milagre, essa coisa assim majestosa que é a vida”.“O planeta é cheio de tambores. Assim como nosso corpo, que tem um grande tambor, que é o nosso coração que está batendo - tum, tum, tum, tum. O tambor originalmente é feito de um tronco de árvore com uma pele de animal. Então ele é uma mistura do vegetal com o animal. Eu acho isso uma coisa muito linda. Claro que temos tambores hoje em dia de metal com vinil e coisas do gênero, mas a origem é essa”, explica.Nova geraçãoO Grand Palais também dá espaço no mezanino para uma nova geração de pintores brasileiros, que participam da mostra “Horizontes”, refletindo a pluralidade contemporânea no Brasil, passando por temas como identidade, espiritualidade, trauma e paisagem.Agrade Camiz, nasceu no Rio de Janeiro em 1988. Suas telas apresentam camadas visuais e conceituais que lidam com o caos, intimidade de corpos e territórios populares. “Eu sou do subúrbio do Rio, comecei a pintar na rua, primeiro pichando e depois fazendo murais de grafite. Depois de 2017 eu comecei a sentir uma necessidade de me expressar de outras maneiras, usar outras coisas, outras materialidades”, relata.O mineiro Vinicius Gerheim (1992) é de Juiz de Fora. A ruralidade mineira tem parte importante na gênese de seu trabalho. “Juiz de Fora é uma cidade que tem 175 anos, é uma cidade muito recente. A maneira que consumi pintura foi uma pesquisa me levou a uma caligrafia de paisagem. Foi uma maneira de fazer uma conjuntura, unir tudo isso que eu aprendi e vi depois com o meu aprendizado na escola de pintura mesmo".Marina Perez Simão, nasceu em 1980 em Vitória, e passou pela Escola de Belas Artes de Paris. Ela propõe uma abordagem abstrata e meditativa. “Eu venho trabalhando nessa série já há muitos anos, assim, um corpo de trabalho que são essas invenções de espaço que habitam o lugar entre paisagem e abstração”, disse a artista à RFI.Antonio Obá, nascido em 1983 em Ceilândia, encara a pintura como gesto político. Seu trabalho evoca a cosmologia ioruba, o cristianismo, os rituais afro-brasileiros para interrogar o corpo negro e sua representação.“Nosso Barco Tambor Terra” e “Horizontes” fazem parte da Temporada França-Brasil 2025 e podem ser visitados no Grand Palais, de Paris, até 25 de julho, gratuitamente.
    Más Menos
    5 m