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  • Parisienses estão divididos entre apoiar a sustentabilidade ou ceder ao conforto do ar-condicionado
    Aug 14 2025
    Com os termômetros marcando até 41 °C na França, muitos parisienses começam a aceitar a ideia de instalar ar-condicionado em suas casas ou apartamentos. Até hoje, o aparelho não é comum nos prédios residenciais franceses, por ser considerado pouco ecológico e desnecessário, já que as altas temperaturas duram poucas semanas. Porém, com as ondas de calor se tornando mais frequentes, essa situação começa a mudar. Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris A consultora Leila Benaba, de 24 anos, está disposta a investir no próprio conforto. "Sim, eu já pensei em instalar ar-condicionado, mas como sou inquilina, não posso fazer isso agora", diz. "Mas quando tiver a minha casa, no futuro, eu gostaria de ter climatização caso o calor continue assim", completa. Se edifícios modernos de escritórios e lojas já são climatizados, ainda há muita resistência a este sistema, comum em outras capitais. "Mais de 35 graus Celsius se torna um problema em Paris", diz a aposentada Marise Touchard. Ela tem sofrido com o calor, mas nem pensa em comprar um ar-condicionado. "Não, definitivamente não. Nem em casa, nem na casa dos outros. Faz barulho e incentiva maus hábitos, como deixar tudo sempre fechado, e isso não é possível", afirma. Como ela, Charlyne Sand, artesã, também abre mão do aparelho. "Eu deixo uma corrente de ar em casa, fechando as persianas durante o dia", ensina. "Não, eu não gosto de ar-condicionado, porque fica muito frio de repente, uso às vezes no carro, mas não acho bom. Eu prefiro a corrente de ar", reforça. Consumo energético De acordo com a Agência de Gestão Ambiental e Energética (Ademe), 25% dos domicílios franceses tinham ar-condicionado em 2020, contra 14% em 2016. No caso de edifícios públicos, 40% são equipados com sistema de climatização. No país que dispõe de grande oferta de energia devido às centrais nucleares, o consumo para manter ligados os aparelhos de ar-condicionado representou, em 2020, apenas 3% do total, segundo a mesma fonte. A França é menos equipada em climatização do que seus vizinhos europeus e outros países desenvolvidos, como os Estados Unidos ou o Japão, onde 90% dos lares são climatizados, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE). Zakarias Regis é programador de computação. A reportagem da RFI o encontrou trabalhando remotamente na praça de alimentação climatizada de um shopping center de Paris. O local é a opção do jovem para seguir ativo no verão, já que mora num pequeno apartamento, no último andar e com telhado de zinco. "Eu sou a favor de ar-condicionado nos locais coletivos. Eu moro em um pequeno apartamento e o calor é insuportável. Então, faz bem trabalhar em locais públicos climatizados. Mas em casa, não é necessário", disse à RFI. "Nos locais públicos é bom para todos, as pessoas se reúnem para aproveitar o ar-condicionado, em vez de cada um ter um aparelho individual", acrescenta. Para a associação Réseau Action Clima, que luta contra as mudanças climáticas, o uso do ar-condicionado deve ser uma opção nos casos de pessoas vulneráveis, como idosos e crianças, mas não deveria se tornar uma norma. "O princípio da climatização é esfriar o espaço interior, enviando o calor para fora. Então, dentro de casa sentiremos o frio, mas vamos jogar o calor para o exterior", explica Bastien Cuq, responsável pelo Departamento de Energia da Réseau Action Clima. De acordo com o especialista, o uso do aparelho traz dois problemas. "Nas ruas pequenas, onde não há muito ar que passa, a temperatura pode aumentar para os pedestres. O outro problema é a alta do consumo de energia, enquanto a França tem o objetivo de reduzi-lo", detalha. "Por enquanto, o ar-condicionado não representa muito gasto energético, mas se generalizarmos o seu uso, vai aumentar o consumo, especialmente no verão, quando o funcionamento das centrais nucleares é limitado", acrescenta Bastien Cuq. Aumento da temperatura de até 2 °C Segundo o Centro Nacional de Pesquisas Meteorológicas, em certos bairros de Paris, o uso de ar-condicionado pode aumentar em até 2 °C a temperatura exterior. Bastien Cuq sugere alternativas. "O que nós propomos são soluções que vão além de um paliativo", diz. "É possível ter menos calor dentro de casa com adaptações como isolamento térmico, vegetação no entorno, pintura do telhado com tinta branca ou manter as persianas fechadas", conclui. A portuguesa Maria Silva, moradora de Paris, concorda que é preciso combater as causas do aquecimento global. "Se o ser humano se preocupasse em plantar mais em vez de estar sempre construindo e pensando em dinheiro, o mundo estaria melhor", acredita. A solução para o calor? "Plantar mais árvores, plantar mais árvores", reforça. A França enfrenta a sua 51ª onda de calor desde 1947, e a segunda deste verão no Hemisfério Norte. Doze regiões do país estiveram sob alerta ...
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  • Tratado global sobre plásticos é debatido em Genebra em meio a riscos e interesses divergentes
    Aug 7 2025
    Quase 180 países participam de negociações globais para um tratado juridicamente vinculante sobre a poluição plástica, em Genebra, na Suíça. No ano passado, em Busan, na Coreia do Sul, países produtores de petróleo emperraram as discussões. O encontro começou na terça-feira (5) e deve durar dez dias. Para o Brasil, um dos principais pontos de discussão e das propostas apresentadas nas negociações é a questão da saúde humana, explica Maria Angélica Ikeda, diretora do Departamento de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores e negociadora-chefe da delegação brasileira. “As pesquisas já encontraram microplásticos no corpo humano, no feto, na placenta, no leite materno. Segundo os cientistas, estamos ingerindo muitos microplásticos por várias vias – alimentos, líquidos, etc. O Brasil enfatiza a importância de promover e fortalecer as pesquisas científicas sobre essa inter-relação entre poluição por plásticos e saúde”, diz Ikeda. “Nós sabemos que há muita oposição de algumas outras delegações por várias razões específicas. Estamos abertos ao diálogo e à negociação. Temos, como sempre, como princípio, a flexibilidade, porque queremos ouvir todas as delegações e chegar a um resultado consensual. Mas gostaríamos de preservar o conteúdo relacionado à saúde no tratado”, assinalou a negociadora brasileira. Outro ponto defendido pela delegação brasileira é a transição justa para os trabalhadores da cadeia do ciclo de vida dos plásticos, sobretudo os trabalhadores informais, incluindo os catadores de materiais recicláveis. "Os catadores dependem de valores justos para o material reciclável, para poder garantir sua renda. Eles vendem esse material para os recicladores. Então, é muito importante protegermos esses trabalhadores das flutuações de mercado e prover regulações que realmente assegurem essa fonte de renda”, enfatizou Ikeda. A representante do governo brasileiro também defende a criação de um mecanismo financeiro ambicioso, para que os países em desenvolvimento tenham meios de implementar o acordo. WWF apresenta relatório contundente A organização de conservação WWF corrobora as preocupações com a saúde. Um relatório da WWF de julho de 2025, intitulado Plásticos, Saúde e Um Planeta, destaca que a poluição por partículas plásticas microscópicas representa uma ameaça física e química, devido aos aditivos tóxicos. Substâncias como ftalatos, bisfenóis e PFAS ("químicos eternos") são particularmente preocupantes, associadas a riscos de infertilidade, câncer, doenças respiratórias e cardiovasculares, além de impactos no desenvolvimento cerebral. O relatório defende uma abordagem de “Saúde Única” (One Health), reconhecendo as profundas interconexões entre a saúde humana, animal e ambiental. Entre as reivindicações da WWF estão o banimento e a eliminação progressiva de plásticos de uso único e de químicos perigosos. Atualmente, menos de 6% das 16.000 substâncias químicas usadas em plásticos são reguladas internacionalmente, embora mais de 26% sejam conhecidas por serem perigosas. A ONG pede regras harmonizadas e vinculantes para o design de produtos plásticos, a fim de melhorar a gestão e a reciclagem dos materiais, além de financiamento e transferência de tecnologia para países em desenvolvimento. Assim, como a delegação brasileira, a WWF também solicita a transição justa para os trabalhadores da cadeia do ciclo de vida dos plásticos, incluindo os catadores de materiais recicláveis. “Uma questão de direitos humanos”, explica Michel Santos, gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil. Críticas à posição brasileira Embora o Brasil tenha uma Política Nacional de Resíduos Sólidos avançada, que prevê o ciclo de vida completo do produto, o país não tem defendido amplamente a redução da produção no tratado, devido à pressão da indústria petroquímica, que não quer ver essa redução no Brasil e no mundo, aponta Santos. Ele ressalta que a indústria insiste que bastam medidas de gestão e reciclagem ("midstream" e "downstream") para resolver o problema, mas a WWF defende que, sem medidas "upstream" (redução da produção), uma solução de fato não será alcançada. Santos lamenta que iniciativas domésticas importantes, como a Estratégia Nacional de Oceanos Sem Plásticos, estejam paralisadas e “desidratadas” por influência dessa indústria. Ele enfatiza que “o capital não pode se sobrepor à saúde das pessoas e à saúde do meio ambiente”. Perspectivas para o tratado Apesar do impasse em Busan, há um otimismo cauteloso em Genebra a respeito de um acordo. Maria Angélica Ikeda compartilha essa visão: “Acredito, pelas conversas com as outras delegações, que existe uma intenção forte dos países de conseguir um acordo em Genebra”. No entanto, ela reconhece que o texto é extenso, aborda muitos temas e as posições ...
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  • Escândalo dos ‘poluentes eternos’ na água potável na França alerta sobre regulação do uso de Pfas
    Jul 10 2025
    A proibição do consumo da água das torneiras em pelo menos 16 localidades do nordeste da França reforça um alerta que especialistas e organizações já emitem há pelo menos uma década: a regulamentação sobre a produção e o uso dos chamados poluentes eternos, que representam um sério risco à saúde e ao meio ambiente, deve ser atualizada. A partir dos anos 1950, estes produtos químicos se disseminaram nas mais diferentes indústrias e são “quase impossíveis” de serem retirados do ambiente, nas cidades como no campo. Utilizados pelas suas propriedades impermeabilizantes, resistentes ao calor, ao fogo ou à gordura, eles são encontrados em utensílios de cozinha, produtos de higiene, roupas ou objetos de decoração – mas, ainda mais preocupante, também estão nos alimentos e até na água, onde vão parar pela contaminação dos rios. Foi assim que, no começo de julho, as autoridades sanitárias da região de Ardennes, perto da fronteira com a Alemanha, ordenaram a proibição do consumo da água das torneiras por tempo indeterminado. Testes realizados a pedido de um consórcio jornalístico, em amostras recolhidas ao longo de 10 anos, detectaram índices de poluentes eternos de três a 27 vezes superiores ao tolerado pela Agência Nacional de Saúde da França. O limite autorizado é de 100 nanogramas por litro. A suspeita é que os Pfas – sigla para produtos perfluorados – tenham sido despejados no rio Meuse e seus afluentes por uma fabricante de papeis instalada na região. Novas análises deverão determinar o nível de contaminação dos solos – um cenário que seria catastrófico para a agricultura, observa o repórter investigativo Nicolas Cossic, do site Disclose, e um dos autores da reportagem de denúncia. “Terrenos agrícolas significam os nossos alimentos, significa o leite que bebemos e que pode ser particularmente contaminado”, diz. “Já houve casos similares de graves poluições por rejeitos de usinas de papel na Alemanha, nos Estados Unidos. Agricultores simplesmente tiverem que parar de produzir porque as terras deles se tornaram incultiváveis”, indica, à RFI. 'Quando procuramos, encontramos' A contaminação da água potável ilustra a que ponto o uso destes produtos fugiu, literalmente, de controle nos países industrializados. No começo do ano, a associação de proteção de consumidores UFC-Que Choisir divulgou o resultado de testes feitos em 30 lugares de toda a França. O estudo chama a atenção para uma molécula em especial: a TFA, o ácido trifluoroacético, resíduo da degradação de alguns tipos de agrotóxicos usados na agricultura e que foi encontrado inclusive na água distribuída em Paris. “Hoje, a questão que temos que colocar sobre a água da torneira é qual norma deveremos aplicar, porque atualmente, o TFA não está entre as moléculas procuradas para os índices oficiais sanitários das Agências Regionais de Saúde da França. Isso significa que não sabemos, oficialmente, se há ou não presença de TFA na água que bebemos”, constata Olivier Andrault, analista de alimentação e agricultura da associação. “Entretanto, nós percebemos que quando procuramos, encontramos. Detectamos este Pfas em 29 das 30 amostras que analisamos.” Existem milhares de tipos de Pfas, mas cerca de 10 são os mais utilizados pela indústria – portanto, são também os mais estudados. Eles podem afetar o organismo humano de diferentes maneiras. “Verificamos efeitos no fígado, aumento das taxas de colesterol – portanto um risco cardiovascular mais elevado –, efeitos na tireoide, com impacto importante no desenvolvimento dos fetos. Eles podem afetar a nossa capacidade de reprodução, nosso sistema imunitário, e alguns Pfas são cancerígenos”, explica a toxicologista Pauline Cervan, da organização francesa Générations Futures. “Todos não são tóxicos da mesma maneira e na mesma gravidade, mas o conjunto desses produtos é preocupante porque a presença de todos eles é perene no meio ambiente.” Filtragem é difícil e cara Ao contrário de outras substâncias, os Pfas não se degradam com o tempo – por isso, são chamados de poluentes eternos. Essa característica torna também mais difícil a retirada destas moléculas em ambientes poluídos, em especial a água. “É praticamente impossível, na escala de toda a França. Tecnicamente é quase impossível e, do ponto de vista econômico, seria extremamente caro. O problema do TFA e da sua presença na água potável é que é muito difícil de retirá-lo: as técnicas que utilizamos hoje para a obtenção da água potável não permite filtrar essa substância”, aponta Cervan. “Seria necessário instalar filtros mais eficientes, com novas tecnologias, como a osmose invertida, que parece ser a única tecnologia capaz de retirar o TFA. Mas é caríssimo”, diz. A especialista salienta que essas tecnologias consomem volumes abundantes de energia e ...
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  • Comitiva da COP30 promove primeiro Balanço Ético Global na Semana do Clima em Londres com pedido de paz
    Jun 24 2025

    A primeira rodada de diálogos do chamado Balanço Ético Global em Londres entre a Presidência da COP30 e grupos seletos de lideranças da Europa, nesta terça-feira (24), coincidiu com o início da reunião da Otan e parte do mundo em guerra. O multilateralismo, fundamental para se chegar a um acordo climático, está em cheque.

    Yula Rocha, correspondente da RFI em Londres

    Como falar da luta ambiental, enquanto as maiores potências do mundo se comprometem a se armar cada vez mais para enfrentar o cenário instável da geopolítica atual? Como engajar a sociedade civil, empresas, governos e países vulneráveis a toda forma de conflito e manter a meta do limite de aquecimento global a 1,5 grau, acordada em Paris, há dez anos?

    A ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva, idealizadora desse ciclo de escutas abraçado pelo presidente Lula e o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, aproveitou a ocasião para falar de ética em tempos de guerra.

    “Acho que nesses momentos difíceis que nós estamos vivendo de guerra é fundamental criar um constrangimento ético em relação à diferentes formas de auto-destruição que estamos fazendo. Uma hora é por uma guerra de uns contra os outros, mas há uma guerra silenciosa e essa não é sentida com a mesma radicalidade das guerras bélicas.”

    A guerra silenciosa a que a ministra se refere é a guerra contra a natureza, em curso há séculos e que, como consequência, mata mais gente por ano do que matou toda a pandemia de COVID-19. Para ela, o único caminho é o caminho da paz entre pessoas, nações e a natureza.

    “Ou nós interrompemos essa guerra e integramos economia e ecologia numa mesma equação, o social e o ambiental , o político e o ético, ou não haverá chance de manutenção da vida, do desenvolvimento e da prosperidade no planeta”, disse a Marina Silva.

    O embaixador do Brasil no Reino Unido, Antonio Patriota, que também participou da rodada do Balanço Ético Global, lembrou que os investimentos militares foram recorde no ano passado, o dobro comparados à cifra do financiamento climático em discussão nas últimas COPs de 1,3 trilhão de dólares, a partir de 2035.

    “Desafio para todos nós pararmos para refletir um pouquinho se vale a pena continuar investindo em salvação ou destruição.”

    O primeiro de seis diálogos regionais do Balanço Ético Global aconteceu no Jardim Botânico de Londres, dentro do pavilhão de clima temperado, a temperaturas tropicais do verão europeu.

    A sessão foi facilitada pela ex-presidente da Irlanda, Mary Robinson, que ouviu dos participantes - entre líderes religiosos, artistas, comunidades locais, afrodescendentes, jovens, cientistas, empresários e ativistas - a necessidade de se reconstruir relações e comunidades. É o espírito do mutirão proposto pela presidência brasileira da COP30, a cúpula climática da ONU que acontece em novembro em Belém, palavrinha ainda difícil de ser pronunciada pelos estrangeiros.

    As contribuições apresentadas nessas sessões de diálogo serão entregues aos chefes de Estado e de governo e negociadores da COP30 e em diferentes formatos - de textos técnicos à pintura, exposições e poesia.

    O curador dos diálogos do Balanço Ético, diretor da Outra Onda Conteúdo, Eduardo Carvalho, acredita na cultura como uma plataforma eficiente de ação para solução climática.

    “Além da cultura em si, teatro, cinema, etc., a gente trazer a valorização dos saberes tradicionais da cultura dos povos ancestrais e quilombolas, tudo isso que precisa ser respeitado e que, na verdade, se inspira na natureza e pode nos inspirar a combater essa crise de imaginação que o mundo vive hoje".

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  • Apesar de resultado modesto, Conferência de Nice impulsiona tratados internacionais sobre oceanos
    Jun 12 2025
    Pela primeira-vez, um grande número de chefes de Estado e de Governo e ministros se deslocaram para uma reunião internacional para abordar a proteção dos oceanos. Se, por um lado, a 3ª Conferência da ONU em Nice sobre o tema (UNOC3) resultará “apenas" em uma declaração política de engajamento dos quase 130 países representados, por outro, o evento consolidou de vez os oceanos na agenda ambiental global. Lúcia Müzell, enviada especial da RFI a Nice Mais de 60 líderes de países dos cinco continentes estiveram na cidade do sul da França para o evento. Assim, no segundo dia, o presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou que, até setembro, 60 países se comprometeram a ratificar o Tratado de Proteção da Biodiversidade Marinha em Áreas além da Jurisdição Nacional (conhecido pela sigla BBNJ). O número é suficiente para que o acordo, assinado em junho de 2023, entre em vigor. O Brasil prometeu ratificar o texto até o fim deste ano. André Abreu, diretor de Políticas Internacionais da Fundação Tara Oceans, considera que, ao debater "todas as grandes questões" em alto nível, a UNOC3 atingiu o status de “mini-COP”, a badalada Conferência do Clima da ONU. As duas edições anteriores do evento sobre os oceanos ocorreram em 2017, em Nova York, e em 2022, em Lisboa. "Esse tratado do alto mar fica geralmente nas prateleiras dos ministérios, sem ter visibilidade para os ministros do meio ambiente ou das ciências. Trazer essa ambição de ratificar o Tratado do Alto Mar é um exemplo de como essa conferência pode fazer diferença”, avalia Abreu, que acompanha há mais de 20 anos as tentativas de acordos internacionais pela proteção dos oceanos. "Um outro tema é moratória sobre a exploração mineral dos fundos marinhos. Eram 30 países no grupo de alta ambição na ISA [Autoridade Internacional de Fundos Marinhos] e, aqui, dobraram. Está tendo uma convergência de anúncios bastante impressionantes, apesar da declaração política, que deixa a desejar." Este texto foi negociado entre os participantes antes da conferência e a declaração deve estimular um impulso político ao tema nos países signatários. Ao longo da semana, estão sendo anunciados novos compromissos voluntários para o cumprimento do único dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU específico sobre os oceanos, de número 14. Compromissos do Brasil O Brasil, por exemplo, se engajou a atingir até 2030 a meta das Nações Unidas de 30% de áreas marinhas protegidas e detalhou os seus planos para a preservação dos recifes de coral e dos manguezais. O país já tem 26,5% da sua zona marinha e costeira dentro de unidades de conservação. Para Marina Corrêa, analista sênior de conservação dos oceanos da WWF Brasil, o principal desafio para atingir a meta de 30% é que as novas áreas criadas tenham representatividade de habitats e sejam de fato implementadas. "A gente sabe que tem muitos desafios, mas estamos vendo muitos esforços do Brasil”, disse. “O que o Brasil fez na sua presidência no G20, priorizando o oceano e a inclusão do oceano nas NDCs [os planos climáticos dos países] e incluindo o oceano nas suas próprias NDC, são sinalizações de um país que vem querendo amadurecer essa agenda. Eu diria que Nice foi um trampolim para a agenda de oceano para a COP30”, afirma. A CEO da Conferência do Clima de Belém, Ana Toni, concorda: "Vai influenciar de maneira estruturante. O clima e os oceanos estão juntos. A gente separa em diversos eventos, mas, na verdade, eles estão juntos e a gente espera expressar tanto aqui, como na COP30, essa unidade, de que temos de proteger os oceanos para proteger o clima e proteger o clima para proteger os oceanos”, declarou Toni, à RFI. Sinergia entre clima e oceanos Os oceanos captam 25% do CO2 ejetado na atmosfera e têm um papel fundamental na regulação climática da Terra, ao estocar calor. Entretanto, o excesso dos dois fatores tem levado as águas oceânicas a se tornarem mais ácidas, causando o colapso de ecossistemas marinhos. André Abreu explica que as temperaturas extremas na superfície favorecem a proliferação de algas que retiram oxigênio do mar – e as áreas com níveis mínimos de condições para a vida estão se expandindo. "Fala-se hoje de 'dead zones', porque tem bolsões inteiros do oceano, não somente nos estuários, que seria o esperado, mas bolsões inteiros no meio do mar, com praticamente zero oxigênio. Só bactérias e vírus que sobrevivem ali”, lamenta o pesquisador. "Explicar isso, trazer essa urgência para a COP de Belém é superimportante, porque o oceano está sendo impactado demais pelas mudanças climáticas.” Impacto dos combustíveis fósseis A Conferência dos Oceanos também resultou em um apelo, assinado por 90 países, por um tratado “ambicioso" contra a poluição plástica, incluindo a delicada questão da redução da produção de polímeros – derivados do petróleo...
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  • 'Tem lugar para todo mundo': diretora do Departamento de Clima do Itamaraty defende ideia de 'mutirão' para COP30
    May 28 2025
    O Brasil realiza a Conferência do Clima da ONU, a COP30, em Belém, em novembro, e os investimentos para adaptação e combate às mudanças climáticas, tanto públicos como privados, estão no centro dos debates. Mas como as empresas privadas podem colaborar? A participação de governos e representantes da sociedade civil (ONGs, associações) nas negociações climáticas é relativamente conhecida. Já o papel do setor privado costuma ser menos noticiado e até levanta questionamentos. Para a embaixadora Liliam Chagas, diretora do Departamento de Clima do Itamaraty, a crise climática e suas negociações devem envolver todos os setores. Ela participou nesta segunda-feira (26) do Brazil Climate Summit Paris (BCS Paris), organizado pelo Instituto Europeu de Administração, o Insead, com apoio de empresas e organizações de consultoria e gestão. O evento discute como o país pode atrair mais capital sustentável e verde."Essas conversas sobre clima, precisam envolver muito além de governos. Um evento como esse, que traz empresas, CEOs, pessoas que trabalham com sustentabilidade no setor privado, ajuda a ir construindo o conhecimento necessário para que os governos possam saber onde o setor privado precisa de maior regulamentação, ou onde eles precisam de estímulo para investir em um determinado ator da economia", diz Liliam Chagas sobre o BCS Paris. "Isso tudo é uma construção que vai levando a um maior conhecimento para que as decisões possam ser tomadas na direção correta", salienta. Nas últimas COPs, no entanto, a grande presença de investidores e empresas do setor privado geraram críticas da sociedade civil, comparando a conferência com um grande evento para empresários. Liliam Chagas defende que uma COP é uma "reunião de vários elementos", mas o principal continua sendo as negociações multilaterais sobre a Convenção do Clima, do Protocolo de Kyoto e posteriormente do Acordo de Paris."Quem executa as políticas decididas, no entanto, vai muito além dos governos", diz. “Então isso justifica que empresas, mas também universidades, centros de pesquisa, de tecnologia, sejam importantes. Que esse grupo de atores participe desses encontros, porque eles fazem parte da solução", defende.Para a embaixadora brasileira, a palavra de ordem é “mutirão”. “Cada país, cada parte desse jogo, precisa dar sua contribuição. Tem lugar para todo mundo nas COPs”, diz. “A mobilização global contra a mudança do clima que a gente está oferecendo é dentro do conceito de mutirão, que é bem brasileiro, vem de uma língua indígena brasileira, o Tupi e significa que quando você tem uma tarefa muito ampla, muito difícil de fazer, você não pode fazer sozinho. Então é isso que nós estamos chamando, o mutirão global contra a mudança do clima. Além disso, um balanço ético global, onde a gente espera, ao longo do ano, ter discussões em pontos específicos do mundo, trazendo pessoas, não só empresários, mas artistas, filósofos, estudantes, comunidades, sobre uma discussão sobre que futuro nós queremos, que futuro a gente precisa construir para que as próximas gerações continuem usufruindo”, diz.VulnerabilidadesO Brasil tem a ambição de se posicionar como parte da solução para a transição energética, mas o país esbarra em sua própria vulnerabilidade às mudanças climáticas. Elas ficaram claras nas inundações do Rio Grande do Sul, nas secas que assolaram diversas regiões do país, inclusive a amazônica no ano passado.Para Liliam Chagas, contudo, estas vulnerabilidades só mostram que o Brasil está certo em tentar liderar o mundo para construir políticas que tragam soluções de uma forma mais rápida.“A COP30 será uma janela de oportunidades para que novos mecanismos, novas ferramentas de restauro de floresta, de reflorestamento e de soluções financeiras para que isso possa acontecer”, defende a embaixadora, que apresentou o projeto Arco da Restauração. A iniciativa do governo brasileiro visa restaurar 6 milhões de hectares de floresta na região conhecida como “arco do desmatamento”, região críticas de desmatamento da floresta amazônica, que engloba partes dos estados Mato Grosso, Acre, Amazonas, Pará, Maranhão, Rondônia e Tocantins. O projeto, apresentado na COP28, em Dubai, tem o ambicioso objetivo de reduzir 1 °C nas temperaturas da Terra. O Acordo de Paris cumpre 10 anos em 2025 e o aniversário será marcado pelo aquecimento recorde do planeta. Em 2024, o aumento das temperaturas da Terra ultrapassaram pela primeira vez o +1,5°C, meta fixada pelo acordo.Mutirão A ex-estudante do Insead Luiza Boechat entendeu o conceito de mutirão defendido por Liliam Chagas. Ela é uma das responsáveis por trazer para a França, em 2024, o Brazil Climate Summit (BCS), realizado primeiramente na Universidade de Columbia, em Nova York, desde 2022."Acho que a COP do ano passado teve grandes avanços em NCQG (Novos ...
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  • Mudanças climáticas ameaçam qualidade dos queijos franceses
    May 8 2025
    O aumento da temperatura global desafia os produtores rurais dos quatro cantos do planeta a se adaptarem a novas condições climáticas e conseguirem manter as suas especificidades – e não é diferente com os produtores de queijos franceses. Camembert, comté, brie, roquefort: o país se orgulha de fabricar mais de mil variedades de queijos, dos quais 46 se beneficiam da proteção de Denominação de Origem Controlada (DOC ou AOP, em francês). Mas este patrimônio cultural está ameaçado pelas mudanças do clima. Como evitar que a repetição das secas leve os queijos específicos dessas regiões a perderem o gosto, o odor e até a cor? Pesquisadores da região centro-sul da França se debruçaram sobre a questão.Um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas sobre Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente (INRAE) e a escola superior VetAgro Sup demonstrou os efeitos de um tempo mais quente e seco sobre o queijo cantal, fabricado há 2 mil anos nas montanhas do Maciço Central. Resultado: quanto menos acesso às vacas têm ao pasto natural da região, rico em diversidade de flora, mais empobrecido será o queijo produzido a partir do seu leite.As conclusões servem de alerta para todo o setor no país, indica o pesquisador Matthieu Bouchon, que coordenou o estudo. "No sul da França, os impactos são muito mais fortes que no norte, onde chove mais. Mas o impacto também pode ser muito diferente em função da flora de cada lugar: temos espécies diferentes até em áreas territoriais pequenas", observa. "No centro da França, por exemplo, encontramos dezenas e dezenas de tipo de floras, e cada uma é afetada de uma forma diferente", explica o pesquisador.Aumento de secas reduz o pasto nas montanhasA partir dos anos 1980, o país viu o número das ondas de calor triplicar, além de se tornarem mais longas. Ao mesmo tempo, as chuvas durante o verão caíram de 10% a 20%, segundo levantamento do instituto Météo France.No Maciço Central, algumas áreas tiveram uma queda de até 40% das precipitações anuais, como foi o caso de 2022, ano de uma seca recorde. Estas alterações afetam diretamente a vegetação da montanha: algumas espécies migram para áreas mais altas e os pastos chegam a reduzir pela metade, com impacto direto na criação de gado e ovinos.Matthieu Bouchon explica de que modo essas mudanças na alimentação dos animais afetam, por sua vez, os queijos: "É diretamente ligado às moléculas presentes nos campos e flores. As do tipo terpeno são ingeridas pela vaca e transmitidas ao leite e, depois, aos queijos. São moléculas aromáticas, que dão o odor às flores e atraem os polinizadores, e que dão também gosto e odor aos queijos", detalha o pesquisador. "Outras moléculas, os carotenoides, estão presentes na grama fresca e fornecem a cor amarela ao queijo", complementa.Leia tambémRoquefort, queijo preferido de reis franceses, celebra 100 anos fiel a origens medievaisQuanto mais milho na alimentação, mais o queijo é 'pobre'Para contornar a menor abundância de pasto, alguns agricultores passaram a misturar ou aumentar as quantidades de milho e feno na alimentação do gado. O problema, mostrou a pesquisa, é que quanto menos pasto variado as vacas consomem, mais insosso será o queijo, tanto do ponto de vista gustativo quanto nutritivo. O cantal feito com o leite de vacas que só se alimentaram de milho tinha menos sabor, odor e cor, além de menos ômega 3."Eu espero que isso não nos leve a ter menos diversidade gastronômica. Sabemos que os produtores estão se adaptando, mas com estratégias diferentes", diz Bouchon."Por enquanto, o desenvolvimento do milho ainda é marginal nas montanhas e está ocorrendo mais entre os produtores de leite, e não de queijo, que tem características mais complexas. Mas não podemos excluir que em dez ou 20 anos, essas práticas não se disseminarão – e é por isso que é importante fazer esse tipo de pesquisa hoje", argumenta.O estudo, feito com a participação de representantes do setor, foi publicado na revista científica Journal of Dairy Science. Uma segunda parte da pesquisa, ainda em fase de análises, deverá esclarecer de que forma as mudanças na alimentação das vacas afeta a microbiologia intestinal dos consumidores.
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  • Em conferência em Paris, imortal Ailton Krenak critica COP30 e planos de petróleo na Amazônia
    May 1 2025

    O Collège de France, uma das instituições de ensino superior e pesquisa científica mais prestigiosas da França, recebeu nesta terça-feira (29) o único imortal indígena da Academia Brasileira de Letras, o escritor Ailton Krenak. O filósofo emocionou a plateia de acadêmicos com uma visão singular sobre a crise climática e a destruição dos recursos naturais do planeta – e criticou a realização da próxima Conferência do Clima da ONU na Amazônia, em novembro (COP30).

    O escritor alertou que, diante das evidências científicas sobre o impacto das ações humanas sobre o clima, como o uso combustíveis fósseis, a humanidade “está experimentando a imensa perda da qualidade da experiência de estar vivo”. Segundo ele, “não estamos só ameaçados pelo clima, mas pela imobilidade”.

    Depois do evento, a jornalistas, Krenak foi mais direto sobre os projetos do governo brasileiro de abrir novas frentes de petróleo na foz do rio Amazonas. "É uma espécie de divórcio da realidade o governo brasileiro, ou qualquer outro governo regional, insistir na exploração de fósseis, de petróleo”, afirmou.

    O filósofo lembrou que, na última Conferência do Clima, no Azerbaijão, o presidente do país anfitrião considerou que o gás e o petróleo são “um presente de Deus”. "Enquanto a gente viver essa ideia simplória e oportunista de recursos naturais que Deus deu, nós vamos entrar pelo cano”, disse Krenak.

    O escritor lamentou que os acordos relacionados à proteção do meio ambiente "estejam todos derretendo”, e criticou a decisão do Brasil e a ONU de fazer a próxima COP em uma cidade amazônica.

    "Eu acho que a COP30 vai ser um ônus. Ela vai exigir muito investimento, vai gastar muita coisa para promover uma conferência que podia acontecer online. Não precisava ser na Amazônia”, alegou. "Como é que vai você dizer que uma conferência vai ser boa se o legado imediato que ela deixa é a perda da qualidade de vida dos habitantes e da liberdade desses habitantes de se organizarem?”, avaliou, antes de afirmar que, com a ausência dos Estados Unidos na mesa de negociações, a conferência "vai ser um grande evento de empresários". "Corporações e empresários vão ganhar muito com a COP30, e populações locais vão perder tudo”, comentou.

    Cogitar 'outros mundos'

    Na sua palestra, Krenak incitou os presentes a "cogitarem outros mundos, além dessa experiência quase terminal que nós passamos a experimentar no século 21". Segundo ele, “estamos provocando o colapso do mundo que nós habitamos, o seu empobrecimento, e não estamos sendo capazes de cogitar outros”.

    Nestes outros mundos, que o escritor reporta da floresta, o modo de vida e os hábitos de consumo dos centros urbanos não são mais o foco. "Nós somos a presença mais efêmera da Terra, e estamos causando um dano irreparável a outras formas de vida, como se nós tivéssemos a Terra à nossa disposição”, constatou.

    Para atender à cada vez mais consumo e ocupação de espaços “vazios” do planeta, a humanidade passou a “comer a Terra”, disse Krenak, parafraseando seu colega yanomami Davi Kopenawa.

    "Se nós olharmos para o desaparecimento de rios, de florestas, nós vamos ver que a escala é suficientemente grande para incomodar e nos por diante da pergunta de quanto nós ainda podemos comer da Terra”, insistiu.

    'Florestania' e 'floricidade'

    O filósofo brasileiro, nascido em Minas Gerais e eleito imortal em 2023, trouxe ao público seus conceitos de "florestania" (da junção de “floresta” com "cidadania") e "floricidade" ("floresta" e “cidade”). Em plena capital francesa, erguida sobre pedras e concreto e que hoje briga para devolver os espaços verdes aos seus moradores, as palavras de Krenak inspiram.

    "Na maioria das cidades, jazem os rios debaixo das calçadas e estruturas que vão erigindo essa paisagem tão atraente que são as cidades. Como pensar uma floricidade? Como pensar num lugar onde um rio e uma floresta possam conviver com essa nossa disposição para nos socializarmos e reunirmos em espaços tão acolhedores e seguros que são as cidades?”, indagou.

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